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DRAGS NA "GRANDE MÍDIA"

A evolução de uma manifestação artística 

O costume de se vestir e se maquiar como mulher é algo antigo, sendo utilizado em peças e apresentações de teatro muito antes do que entendemos atualmente como a arte Drag Queen. Quando pensamos ou ouvimos o termo, o que vêm em nossas cabeças? Homens que se vestem de mulheres e usam maquiagens espalhafatosas, certo?

Não é somente a isso que o movimento se resume. Mesmo antes da popularização da cultura Drag Queen com o surgimento do reality show RuPaul’s Drag Race, o movimento era utilizado como forma de protesto político contra o preconceito e padrões impostos pela sociedade sobre estilos e gêneros.

O gênero pode ser entendido como uma construção social e não é necessariamente um produto direto do sexo biológico de um indivíduo, segundo o sociólogo Anthony Giddens em seu livro “Sociologia”. Cruzar a barreira de gênero homem e mulher, estar fora dos padrões impostos como politicamente corretos pela sociedade atual, é um dos pensamentos que configuram a vivência de uma Drag Queen.

Mesmo com a abertura de espaço na mídia e mais aceitação por grande parte das pessoas, a cultura Drag Queen ainda sofre bastante preconceito. O meio LBGTQ+ abraçou a cultura que ficou marcada como parte dele. Segundo as drag queens envolvidas no movimento, para ser uma drag queen não é necessário ser homossexual. Como a cultura foi popularizada e abraçada pela comunidade, a arte é associada quase que de imediato com a orientação sexual ou identidade de gênero.

Ser uma drag queen é um ato artístico, que pode ser interpretado por qualquer pessoa independente de sua orientação sexual e gênero.

COMO COMEÇOU A

ARTE DRAG

As drag queens são parte da história do teatro desde seus primórdios como artistas transformistas, segundo o artista cênico Igor Amanajás, escritor do artigo “Drag Queen: um percurso histórico pela arte dos atores transformistas”. No artigo ele discorre sobre o início da arte drag com um olhar focado no teatro. A ideia do artigo surgiu pela sua curiosidade de como um ator transformista usa a identidade feminina para transformar em uma ideia, estética e sensação.

Em seu artigo, Igor Amanajás conta que na antiga Grécia, papéis como de Clitemnestra, Medéia, Electra, Ifigênia e Antígona (todas personagens femininas) foram vividas por homens. Isso acontecia porque as mulheres não tinham espaço no teatro, então a única alternativa era que os homens interpretassem essas personagens. Um ponto que ele ressaltou foi que, naquela época, os atores não usavam apenas máscaras para fazer personagens femininos como também roupas, acessórios e até enchimentos. Algo que podemos relacionar com uma Drag Queen.

Se engana quem pensa que a arte transformista teve importância só nessa época e no Ocidente. No Oriente também houve a necessidade da arte transformista. Exemplo disso é o teatro Topeng da Indonésia (se originou no século XII e se estabeleceu no século XVII), uma dança-drama de máscaras que na sua forma original era dançado apenas por homens em papéis femininos. Perucas, leques e máscaras eram utilizados para interpretar a personagem. Gestos que tinham mais leveza também eram utilizados no teatro Topeng.

Mas, a cultura que mais utilizou o ator transformista nos palcos foi a japonesa segundo Igor. Exemplos disso são os clássicos cômicos Kyogen e o dramático Nô do século XIV, linguagens teatrais específicas do ator masculino. Em ambas, os mais jovens de família artística treinavam desde cedo, levando cerca de dez anos para aprender um papel específico. Alguns desses jovens se especializam em personagens femininos. Outro exemplo é o teatro Kabuki, desenvolvido no século XVII que demonstra um maior rigor e tradição.

Após um longo período de trevas, para o teatro ocidental (onde muito pouco se criou), os atores italianos ressuscitaram a tradição de se transformar em outro, através do mascaramento facial (a commedia dell’arte) no século XVI.  Nessa mesma época surgiram as histórias de Shakespeare. Os papéis femininos como Julieta, Desdêmona, Ofélia e Lady MacBeth foram interpretados por atores transformistas.

Na metade do século XVII, mais especificamente em 1653, a Inglaterra passou por um período de restauração chamado Protetorado. Nessa época, muitos teatros foram fechados e muitos atores se aposentaram. Mas, após 18 anos, o rei Carlos II assumiu o trono e voltou a apoiar o teatro. Só que com uma condição, os papeis femininos seriam interpretados por mulheres.  “Ao se tratar das mulheres no teatro, foi um choque para a época em que surgiram. A partir do momento em que se pode ter uma mulher em cena, o ator transformista deixa de ter sua função ” comenta Igor Amanajás.

O RESURGIMENTO DA ARTE DRAG NO SÉCULO PASSADO

Em seu estudo, o artista cênico conta que depois do século XVII, a arte drag enfrentou muitas dificuldades e tentativas de renascimento, mas a grande maioria não foi para a frente.  A arte não deixou de existir, mas foi esquecida por um tempo. Só em meados dos anos 60 que a arte ganhou um novo respiro. Nessa época, os adolescentes apareceram como uma classe social que possuía dinheiro e precisava de entretenimento, moda e música.

Mesmo que essa arte tenha tido uma maior abertura da sociedade no meio LGBTQ+, esses novos bares que abraçaram as drag queens ficavam longe das áreas nobres e das famílias conservadoras. Durante essa explosão cultural, surgiram várias influências para as performances de uma drag queen, por exemplo: filmes de Hollywood, movimentos pelos direitos das mulheres, músicas e shows de cantoras. Marilyn Monroe, Betty Davis, Barbra Streisand, Cher, Diana Ross, Madonna e tantas outras personalidades proporcionaram materiais que deixaram as performances mais ricas de conteúdo.

As drag queens dessa época não eram resumidas só a shows em bares. Elas alcançaram a grande mídia como, por exemplo, o rádio, a televisão e também a Broadway. ”Na área de musicais podemos citar Alô, Dolly! e A gaiola das loucas. Já no cinema podemos citar Priscilla, a rainha do deserto, Para Wong Foo, Obrigado Por Tudo! Julie Newmar e Uma babá quase perfeita como exemplos que abordam as drag queens”, aponta Igor Amananjás.

Especulam que Shakespeare marcava no rodapé da página em que descrevia um papel feminino, a sigla DRAG, dressed as girl (vestido como menina) para marcar que um homem iria interpretar o papel. Então assim teria nascido o termo.

No final da década de 70, podemos apontar duas vertentes de drag queens: as cômicas e as que faziam performances de grandes divas pop. O lado político era pouco abordado pois na época a arte estava mais ligada a diversão. Mas depois dos anos 70, ser gay se tornou um ato político. “Ser artista é um ato político e social. Mesmo que provavelmente sem intenção, a figura da drag queen se tornou um dos maiores símbolos da luta pelos direitos gays”, comenta Igor.  Nesse momento as drag queens se veem mais próximas dessa luta, sem esquecer do baque que a comunidade LGBTQ+ sofreu na virada para a década de 80, com o surgimento da AIDS. Com isso, as drags se viram no meio dessa comoção por estarem ligadas ao meio LGBTQ+. Isso as obrigou a se esconderem por um breve período.

A ARTE DRAG ATUALMENTE

A nova era das drag queens não teve seu início neste século.  A drag queen volta ao convívio da sociedade em meados dos anos 90, como uma arte tentando se reinventar. A drag agora possui a função mais ligada ao entretenimento, principalmente com lipsyncs (dublar uma música de alguma cantora), voguing (um estilo de dança) ou em esquetes cômicos, abordando principalmente a cultura gay com cada vez mais glamour. Só que, diferente de outras épocas, o ativismo político e social se torna uma bandeira levantada por toda a arte drag. Isso faz com que as drag queens se tornem peças fundamentais das paradas LGBTQ+ pelo mundo.

Ser Drag, de um modo geral, é estar em uma constante batalha por respeito         

IGOR AMANANJÁS, Artista Cênico

Não podemos falar da nova fase drag sem falar de RuPaul Andre Charles, mais conhecido como RuPaul, ou por algumas drags como Mama Ru. RuPaul é considerada uma das artistas mais populares da cena LGBTQ+ norte-americana. Antes de começar como apresentadora do reality RuPaul’s Drag Race, ela tornou-se um fenômeno midiático em meados da década de 80, nos meios de comunicação dos Estados Unidos.  Atuou como atriz, cantora (conseguindo o 2º lugar na Billboard Hot Dance Club Songs US, com o single Supermodel), diretor de cinema, programas de rádio e de TV, propagandas, eventos sociais e casas noturnas. Além de videoclipes para promover seus álbuns musicais. RuPaul ainda recebeu o Emmy Awards de Melhor Apresentadora de Reality em 2016 e 2017. Com isso, impactou o cenário LGBTQ+ mundial impulsionando a popularidade da arte atualmente.

O programa que começou em 2009, reúne 12 drag queens que concorrem pelo posto de “Drag Superstar”. As provas testam suas habilidades cênicas, de criação, produção, desfile, dublagem, imitação, carisma e outros. Sem esquecer da montação que em cada episódio segue um tema difrente. Além de acompanhar a convivência entre as candidatas, o programa ainda prepara depoimentos de familiares, amigos ou namorados. Desse modo, o reality humaniza as drag queens mostrando suas emoções e vulnerabilidades, criando a identificação com o público.

 

Para o grupo de drag queens de Rio Claro, Manxs (composto pelas drags Vikky, Ashilleyy Extravaganzza e Luis Aff) o programa trouxe uma grande mudança para o mundo drag, principalmente em questão de visibilidade e informação. “Antes do programa, a ideia de ser uma drag queen era ligada ao transformismo, prostituição e com o travesti. Atualmente as pessoas compreendem que isso está mais ligado a arte”, comentou o grupo.

O reality ainda encorajou algumas drags a fazerem a arte. Todas as integrantes do grupo se viram influenciadas de alguma forma pelo programa. Vikky comenta que sua experiência foi ainda maior. “Eu tinha uma visão um pouco antiquada. Possuía um pouco de medo por achar que ser uma drag queen era ser sempre algo parecido ao que drags nacionais, como Silvetty Monttila e Nany People eram. Quando RuPaul’s Drag Race surgiu, minha opinião mudou. Conheci pessoas que se montavam e eram mais conhecedoras do assunto. Eu e meus amigos, no momento, estávamos acompanhando a 6ª temporada do programa. A partir dali, minha visão do mundo drag mudou. No programa, pude ver o processo de montagem, o porquê disso tudo, e a história de cada drag queen. Me identifiquei muito com a personalidade de uma drag. Foi assim que percebi que poderia fazer isso”, conta Viccky.

Assim como foi com Viccky, a drag queen Perséfone O’Connor, que se monta desde 2016 viveu algo parecido. A drag afirma que há alguns anos atrás, jamais imaginaria que iria se montar. Ao se assumir como homossexual, Pedro (Perséfone) ainda possuía alguns preconceitos em relação a ser afeminado, e por criarem uma certa relação de drag com algo ruim. A vontade surgiu após se interessar pelo mundo da moda e principalmente pela área de maquiagem. Com isso, o reality RuPaul’s Drag Race apareceu em sua frente e, por meio dele, soube um pouco mais do que era ser uma drag queen. Ele acredita que o reality causou impacto em sua vida, e na de outras pessoas também, ajudando a informar sobre o assunto.

Mesmo com o impacto positivo de divulgação da arte, muitas drags criticam alguns padrões impostos pelo reality. É dito que o programa apresentou somente o lado feminino de ser uma drag queen, e não abrange expressões que estejam fora desse padrão. Além disso, o programa estabeleceu um padrão inalcançável e, quando uma drag queen não se encaixa nele, isso é cobrado dela. Há até uma estranheza do público quando uma drag queen não está no mesmo patamar das do reality. Isso, infelizmente, acaba não fornecendo espaço para uma drag que faça diferente do que se é acostumado a ver, por exemplo.

Comentando sobre a padronização que limita a arte drag, a drag queen Perséfone O’Connor acrescenta: “Ser uma drag queen é usar sua imaginação para ser e fazer o que bem entender. Porém, dentro do programa há uma limitação disso, e as requisições para participar dele confirmam esse ponto. Se ser drag é uma arte livre, por que tantas regras?”.

Ser uma drag queen é uma expressão artística, não é necessário existir um padrão. Cada uma possui uma interpretação, porque é uma arte individual com suas próprias regras.         

GRUPO MANXS, Drag Queens

REPORTAGEM: Diogo Quinto, Ellen Cristina, Gabriel Granja e Raphael Christofoli 

FOTOGRAFIA: Ana Paula Catrib, Ellen Cristina e Diogo Quinto

© 2018 feito pelos Alunos do 7º Semestre de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi

REPORTAGEM: Diogo Quinto, Ellen Cristina, Gabriel Granja e Raphael Christofoli   

DESIGNDiogo Quinto e Lucélia Alves

ARTES: Ellen Cristina e Lucélia Alves

VÍDEOS: Ana Paula Catrib e Diogo Quinto  

FOTOGRAFIA: Ana Paula Catrib, Diogo Quinto, Ellen Cristina e Lucélia Alves

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